Como as Neurociências podem nos ajudar a entender o que está acontecendo na política
Encontrei uma parte deste texto perdida entre os meus rascunhos. Essa parte foi escrita a cerca de um ano. Creio que nos ajuda a entender o que aconteceu na eleição nos EUA e o que está acontecendo por aqui. Continua atual.
Tenho visto muita gente impressionada com a onda negacionista e o apoio à extrema direita pelo mundo afora. A questão central seria o que levou a tantas pessoas pelo mundo a aderirem incondicionalmente a este discurso?
As analises tradicionais tem apontado nos últimos anos um aumento significativo da insatisfação de cidadão de todo o mundo com o establishment político. Por este viés, a sensação de não ter suas necessidades ouvidas pelos políticos tradicionais levou a eleitores a optar eleitoralmente por outsiders anti sistema político, casos como o de Trump nos EUS e Bolsonaro no Brasil.
Essa análise não está de todo equivocada, mas, definitivamente, ela não explica porque pessoas de todos nos níveis de instrução adotaram simultaneamente esta alternativa. E não faz isso porque esta analise não considera como as pessoas tomam suas decisões. E é por isso que partidos e políticos dos campos democráticos não conseguiram responder a altura os desafios dessa ameaça. Nenhum agente político pró-democracia foi capaz de reconstruir a narrativa porque não atuou sobre o que as pessoas sentem.
Por incrível que pareça a resposta para descontruir o negacionismo, a anti ciência e a política da extrema direita não está na razão. Ela está na emoção.
Para mostrar porque o negacionismo e a extrema direita estão tendo sucesso é preciso fazer um longo parêntese. De antemão peço desculpas pela excessiva simplificação. Mas a ideia aqui é só apresentar o mais simplificadamente como nós tomamos nossas decisões.
Na década de 1990 um neurocientista português Antônio Damásio apresentou à comunidade científica a hipótese do marcador somático. Por essa hipótese ou autor demonstra que o processo decisório está intimamente ligado às emoções e aos sentimentos. (Você pode ver mais sobre essa hipótese no livro o “O Erro de Descartes”).
Evolutivamente, as emoções (primárias tem o papel) de nos alertar e preparar para ação diante das diversas situações com as quais nos deparamos em todos os ambientes que estamos. Todos nós já nascemos sendo capazes de reagir a estímulos externos por meio de seis emoções básicas: Alegria (para estímulos agradáveis), raiva, medo, tristeza, aversão (para estímulos desagradáveis) e por fim a surpresa que está presente quando o estímulo não é identificado imediatamente como agradável ou desagradável.
Essas emoções desencadeiam alterações fisiológicas e efeitos corporais (Marcadores somáticos) – por exemplo, a contração muscular, alterações na frequência cardíaca, libertação de hormônios, postura, expressão facial, entre outros.
Aos poucos nosso cérebro vai associando as emoções e suas respectivas mudanças corporais a situações específicas e com criando memórias sobre as experiências que vivemos. Dessa forma esses marcadores somáticos passam a funcionar como uma espécie de automatizador de decisões, na qual antecipamos o custo/ benefício com base no resgate no histórico de memórias passadas.
Dito tudo isso podemos ir ao que interessa.
Nas ultimas décadas temos vivido um período de grande instabilidade. As sucessivas crises econômicas desde 2006 provocaram um processo de instabilidade econômica que se estende até hoje em diversos países do mundo. Esse processo de instabilidade atinge fortemente trabalhadores de classe média que veem seu conforto econômico em risco.
Ainda que diversas medidas de mitigação dos efeitos da crise fossem tomadas pelo mundo seus efeitos não foram suficientes para diminuir a sensação de insegurança por parte da população.
É aí que a direita planta suas sementes. O discurso de crítica ao establishment político baseados na “falência” das instituições do Estado que deveriam proteger as pessoas acaba por dar sustentação para o medo gerado pela insegurança. Esse medo foi alimentado durante anos com as denuncias de sistemas políticos corruptos, de políticas que afrontam a família, de legislações que protegem bandidos e vagabundos e de uma ciência que em tese estaria tentando substituir o papel de Deus.
Este medo alimentado, com o tempo se transforma em indignação e por consequência em raiva. Raiva de tudo aquilo que as pessoas construíram em sua memória que trazia consigo a insegurança e o medo. O trabalho de STEWART; SVETIEVA (2017) mostram como o medo expresso por Trump durante a campanha eleitoral em 2016 influenciava positivamente seus eleitores. Trump construiu empatia com seu eleitorado pelo Medo.
Embora não existam dados empíricos sobre a relação entre Bolsonaro e seu apoiador, é possível sugerir que o efeito se repita. Isso porque diversos estudos tem associado o comportamento eleitoral conservador à ativação da amígdala cerebral. A atividade da amígdala tem importante relação no reconhecimento do medo e da raiva no comportamento do eleitor conforme apontam.
O único caminho
O único caminho para interromper o avanço da estrema direita é reconstruir as bases de confiança e a ligação entre as instituições políticas democráticas e os cidadãos. Esse caminho deve obrigatoriamente reconstruir a empatia. Somente assim aqueles que hoje construíram sua leitura da realidade poderão retomar seu olhar para a sociedade com confiança e esperança. Estes dois sentimentos só podem ser construídos com a emoção positiva: a alegria
Trump you are fired!
Como os democratas venceram o ódio e o medo.
Qualquer que tenha seja a análise sobre a derrota de Donald Trump ela não pode deixar de fora a mudança nas emoções de milhares de cidadãos.
Obviamente ainda não existem dados empíricos mas, ao que tudo indica, uma série de acontecimentos e uma coerência discursiva fizeram com que o medo se voltasse contra Trump. Se em 2016 o medo foi responsável pela vitória eleitoral de Trump em 2020 ele pode ter ajudado Biden.
O discurso conciliador de Biden e sua vice durante todo o processo de construção da candidatura democrata e durante a disputa com Trump parece ter surtido efeito nas grandes áreas urbanas.
Ao que tudo indica o discurso de construir a pacificação do país sensibilizou mais o eleitorado dos USA que o discurso do medo do candidato à reeleição. Estados que passam por fortes problemas sociais relacionados ao racismo, ambientais, sanitários por causa da pandemia parecem terem encontrado no discurso de Biden o amparo emocional para romper com a lógica anterior.
Agora é esperar para ver o que os próximos estudos vão nos mostrar e se isso realmente aconteceu.
Enquanto isso esperamos 2021. Lá iniciaremos os estudos sobre emoções e eleições presidenciais no Brasil.
Referências
DAMÁSIO, A. R. Descartes’ Error: Emotion, Reason, and the Human Brain. Reprint (1 ed. London: Penguin Books, 2005.
KANAI, R. et al. Political orientations are correlated with brain structure in young adults. Current biology : CB, v. 21, n. 8, p. 677–80, 26 abr. 2011. Disponível em: <http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=3092984&tool=pmcentrez&rendertype=abstract>. Acesso em: 29 jul. 2014.
RULE, N. O. et al. Voting behavior is reflected in amygdala response across cultures. Social cognitive and affective neuroscience, v. 5, n. 2–3, p. 349–55, jun. 2010. Disponível em: <http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=2894678&tool=pmcentrez&rendertype=abstract>. Acesso em: 15 ago. 2014.
STEWART, P. A.; SVETIEVA, E. Micro-expressions of fear and loathing on the 2016 presidential campaign trail: How brief expressions of fear influence trait perceptions of Donald Trump. SSRN, n. February, p. 1–41, 2017. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2914077>.
Um comentário
Ótimo!